Wendy Goldman lança "Mulher, Estado e revolução" no Brasil


Em maio de 2014, a historiadora Wendy Goldman estará no Brasil para um ciclo de conferências de lançamento de seu premiado  Mulher, Estado e revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-1936, publicado pela Boitempo Editorial. Durante os dias 19, 20 e 21 de maio ela passará pelas cidades de Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro em eventos gratuitos e sem necessidade de inscrição, seguidos de sessões de autógrafos.

Ganhador do prêmio Berkshire Conference, o livro examina as mudanças sociais pelas quais passou a sociedade da União Soviética nas duas décadas após a revolução de 1917, com foco nas mulheres e a relação que estabeleceram com o Estado revolucionário. Analisando a estrutura familiar, a sexualidade, o casamento e o divórcio na União Soviética, a obra explora como as mulheres responderam às tentativas bolcheviques de redefinição da instituição familiar.

Programação completa:

Campinas
Quando: 19/05 | 17h30 | Debate “A emancipação das mulheres: o debate e os desafios da luta contra o machismo como parte da experiência da revolução russa”
Com: Wendy Goldman, Diana Assunção e Renata Gonçalves
Onde: Unicamp | Auditório I do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Realização: Boitempo, Edições Iskra e Grupo de Pesquisa “Para Onde vai o Mundo do Trabalho?”
Apoio: Programa de Pós-Graduação de Sociologia da Unicamp, Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Unicamp e Centro Acadêmico de Ciências Humanas (CACH)

São Paulo
Quando: 20/05 | 19h30 | Debate com Wendy Goldman, Andrea D’Atri (Argentina), Sofia Manzano e Diana Assunção
Onde: USP | Anfiteatro de História | FFLCH 
Realização: Boitempo, Edições Iskra e FFLCH/USP
Apoio: Sintusp

Rio de Janeiro
Quando: 21/05 | 16h | Debate com Wendy Goldman, Andrea D’Atri (Argentina), Diana Assunção e Carlos Eduardo Martins
Onde: UFRJ | Sala 109, Evaristo de Moraes Filho | Térreo | IFCS 
Realização: Boitempo, Edições Iskra e Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) Apoio: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Mulher, Estado e revoluçãoPolítica familiar e vida social soviéticas, 1917-1936
Wendy Goldman

A Boitempo, em parceria com a Edições ISKRA, publica o premiado livro Mulher, Estado e revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-1936. Escrito por Wendy Goldman, historiadora e professora da Universidade Carnegie Mellon (EUA), especializada em estudos sobre a Rússia e a União Soviética, a obra ganhou o Berkshire Conference Book Award ao examinar as mudanças sociais pela qual passou a sociedade soviética nas duas primeiras décadas pós-revolução, com foco nas mulheres, e na relação que estabeleceram com o Estado revolucionário.

O livro retrata as grandes experiências da libertação da mulher e do amor livre na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) depois da Revolução – e por que falharam, quando entrou em cena a burocracia stalinista. “Seu tema é a difícil relação entre vida material e belos ideais”, afirma Goldman. O livro examina as condições materiais da União Soviética logo após a Revolução e explora questionamentos relevantes para qualquer movimento social: quando um novo mundo poderá ser criado? Quais são as condições necessárias para se realizar ideais revolucionários? É possível que se crie total liberdade sexual para homens e mulheres sob condições de desemprego, discriminação e persistência de atitudes patriarcais? O que podemos apreender dessa experiência, depois da Revolução Russa? Combinando história política e social, o livro recupera não apenas as lições discutidas por juristas e revolucionários, mas também as lutas diárias e ideias de mulheres trabalhadoras e camponesas.

Ao chegarem ao poder em 1917, como resultado de uma revolução, e com esperanças de construir um mundo novo, muitos juristas, educadores e outros militantes sonharam com novas possibilidades. Os bolcheviques lutavam para que, sob o socialismo, a instituição “família” definhasse; para que o trabalho doméstico não remunerado das mulheres fosse substituído por lavanderias, creches e refeitórios comunitários; para que o afeto e o respeito mútuos substituíssem a dependência jurídica e financeira como base das relações entre os gêneros. Uma geração de legisladores soviéticos se empenhou em concretizar essa visão e como parte dela, em 1920, legalizaram o aborto, que passou a ser considerado um serviço público e gratuito.

É importante destacar que os bolcheviques tiveram uma política aberta sobre as relações pessoais, especialmente considerando o atraso social e cultural da Rússia. A ideia de “amor livre” e as relações hierárquicas entre pais e filhos foram temas amplamente debatidos. “Em uma cultura patriarcal, os pais exerciam um controle tremendo sobre as mães e as crianças. Tomavam decisões sobre o matrimônio, a educação e o trabalho. Os bolcheviques queriam abolir esse controle, em favor dos direitos do indivíduo, do ser humano”, afirma Goldman. "Questionaram as hierarquias de todo tipo, não somente aquelas dentro da família. O Exército Vermelho foi reconstruído sob novas regras, mais democráticas em termos de relações entre oficiais e soldados. As escolas tornaram-se mistas, e os professores, estudantes e trabalhadores criaram Sovietes para governá-las. Os juristas discutiam o ‘desaparecimento’ da lei e do Estado e faziam leis destinadas a alentar esse objetivo. Inclusive desafiaram as hierarquias na arte e na música. Na década de 1920, os músicos soviéticos experimentaram uma ‘orquestra sem diretor’. Foi um momento de grande nivelamento e de experimentação apaixonante em todas as áreas da vida”.

No entanto, uma década e meia depois, com a atuação de forças contrarrevolucionárias, alegalidade do aborto foi revogada e a experimentação social deu cada vez mais lugar a soluções conservadoras, que reforçaram as amarras da família tradicional e o papel reprodutivo da mulher. A autora analisa nesse contexto como as mulheres responderam às tentativas de refazer a família, com Stalin defendendo a “volta à família e ao lar”; e como suas opiniões e experiências foram utilizadas pelo Estado para atender as suas próprias necessidades. A edição brasileira do livro será enriquecida com fotografias da época e textos complementares, como o texto de capa de Liliana Segnini, professora do Departamento de Ciências Sociais da Unicamp, e o prólogo escrito por Diana Assunção, historiadora e militante dos direitos das mulheres.
Dia Internacional da Mulher, 1917, Petersburgo, Rússia


Trecho do livro:
“Uma vez que havia expectativa generalizada de que a família iria definhar, a questão de como organizar o trabalho doméstico provocou extensa discussão. Lenin falou e escreveu repetidas vezes sobre a necessidade de socializar o trabalho doméstico, descrevendo-o como ‘o mais improdutivo, o mais selvagem e o mais árduo trabalho que a mulher pode fazer’. Sem poupar adjetivos duros, escreveu que o trabalho doméstico banal ‘esmaga’ e ‘degrada’ a mulher, ‘a amarra à cozinha e ao berçário’ onde ‘ela desperdiça seu trabalho em uma azáfama barbaramente improdutiva, banal, torturante e atrofiante’. Lenin obviamente desprezava o trabalho doméstico. Argumentava que ‘a verdadeira emancipação das mulheres’ deve incluir não somente igualdade legal, mas também ‘a transformação integral’ do trabalho doméstico em trabalho socializado.”

Sobre a autora:
Wendy Goldman é professora do Departamento de História da Carnegie Mellon University e especialista em estudos políticos e sociais sobre a Rússia e a União Soviética. Autora de diversos livros sobre o terror stalinista, gênero e classe trabalhadora, já foi traduzida para o russo, espanhol, italiano, alemão, francês, tcheco e japonês.  Com o livro Mulher, Estado e revolução, ganhou o Berkshire Conference Book Award, em 1994. É diretora de um intercâmbio universitário entre a Carnegie Mellon e a Universidade Estadual para Humanidades, em Moscou.

Ficha técnica:
Título: Mulher, Estado e revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-1936
Título original: Women, the State and Revolution: Soviet Family Policy and Social Life, 1917-1936
Autora: Wendy Goldman
Prólogo: Diana Assunção
Orelha: Liliana Segnini
Páginas: 400
ISBN: 978-85-7559-364-6
Preço: R$ 49,00
Editoras: Boitempo e Edições ISKRA

Lançamento de "A revolução Espanhola" reúne 150 pessoas na USP!


Na última quarta-feira, 07 de maio, cerca de 150 pessoas participaram do lançamento da compilação de escritos de Leon Trotski sobre a Revolução Espanhola no auditório da Geografia da USP. A mesa contou com a participação de Antonio Quiozini pelas Edições Iskra e Elisabeth Yang pelo Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky da Argentina.

Mesa do lançamento. À esquerda, Elisabeth Yang; à direita, Antonio Quiozini.


Antonio abriu o debate agradecendo a colaboração do CEIP e da Museo Casa León Trotsky do México e ressaltou a importância histórica do processo revolucionário espanhol: “O próprio título desta edição já é um pequeno combate ideológico, pois desde a tese acadêmica mais ‘refinada’ até os livros didáticos, se fala de Guerra Civil Espanhola, mas nunca de Revolução Espanhola... uma clara manobra ideológica que tenta apagar os grandes “feitos” da classe trabalhadora e das massas oprimidas espanholas, tentando resumir o conflito à luta entre um campo fascista e outro ‘democrático’”.




A partir daí, abordou as grandes conquistas do heróico proletariado espanhol, quando esse iniciou a luta contra o general Franco, em julho de 1936: “Estamos frente uma revolução em que os operários quebraram ao meio o Estado capitalista, dissolvendo a polícia e o restante das forças repressivas, instaurando o povo em armas em mais da metade da Espanha; criaram seus próprios organismos de poder (comitês, milícias operárias) e organizaram a maior experiência de auto-gestão e coletivização econômica da Europa Ocidental. Uma revolução que se chocou frontalmente com os poderes e privilégios da Igreja (a maior proprietária de terra do país) e que não por acaso, uma revolução que teve um protagonismo das mulheres trabalhadoras, já que eram as que mais sofriam com a opressão do clero mais poderoso e reacionário da Europa”.

Em combate a visão predominante nos meios intelectuais, que enxergam a década de 1930 como “reacionária em toda linha”, ressaltou: “Os reflexos internacionais da Revolução Espanhola foram também poderosos: despertou a atenção apaixonada dos trabalhadores de todo mundo. Os combates do proletariado espanhol foram o principal golpe contra o nazi-fascismo e sua vitória teria sido um luminoso farol para o proletariado alemão e italiano. Não à toa Hitler e Mussolini apoiavam Franco antes mesmo do golpe. Umas das revoluções operárias mais importantes do século XX, em que o proletariado espanhol, como dizia Trotski, ‘por seu peso específico na economia do país, por seu nível cultural e político, se encon­trava, desde o começo da revolução, muito à frente do proletariado russo no início de 1917’. Uma revolução que poderia ter mudado a história do século XX, a grande oportunidade de deter a marcha do fascismo e da Segunda Guerra Mundial, abrindo novamente o cenário para a revolução socialista mundial como em 1917”.



O proletariado espanhol, porém, fez tudo isso contra a vontade de suas principais direções, que reconstruíram pedaço por pedaço do Estado capitalista destroçado. O Partido Socialista, Partido Comunista, CNT anarquista e o próprio POUM atuaram na contramão dos interesses dos trabalhadores, paralisando sua iniciativa e atacando suas conquistas ao dissolver os comitês, desarmar as milícias e reprimir as coletivizações, levando não só a derrota na revolução mas também da guerra civil contra Franco. Elisabeth Yang iniciou sua fala resgatando um pouco da história do CEIP que surgiu década de 1990, no auge do neoliberalismo e da ofensiva ideológica contra o marxismo, ressaltando a importância de trazer para as novas gerações a rica experiência acumulada do passado.

Abordou no início da sua fala os efeitos da Revolução Espanhola para a URSS: “Após o final da Primeira Guerra Mundial e da vaga revolucionária aberta pela Revolução de 1917, que se estende até 1923, se inicia um período que Trotski chama de “equilíbrio capitalista” e que só vai terminar com o início da crise econômica de 1929. O surgimento do stalinismo, fruto do isolamento da URSS, estava diretamente ligado a este fenômeno e a eclosão da Revolução Espanhola em 1930 era a grande oportunidade de extirpar com essa casta burocrática. A Espanha, portanto, aparece como um grande problema para o stalinismo, pois nos primeiros anos da revolução os operários russos já faziam coletas de apoio à Espanha por cima da própria burocracia e uma vitória dos operários espanhóis golpearia profundamente seu prestígio e seus acordos com a burguesia imperialista”.

Elisabeth elencou as políticas e iniciativas de Trotski para conformar um partido revolucionário a partir da Oposição de Esquerda espanhola e demonstrou como Trotski não teve uma política sectária com Andrés Nin:

“Trotski propôs duas táticas: a primeira, de unidade das fileiras comunistas e a segunda de entrismo no Partido Socialista, para que a Oposição pudesse confluir com a valorosa juventude desse partido, que carregava retratos de Lênin e Trotski nas manifestações e reivindicava a necessidade de construir uma nova Internacional. Nin rejeitou as duas propostas, qualificando a ultima como oportunista”. E continuou: “A política ‘principista’ de Nin levaria pouco tempo depois à fusão oportunista da Oposição com o grupo catalão de Maurín para a formação do POUM. Poucos meses depois esse partido assinava o programa burguês da Frente Popular e após as jornadas revolucionárias de junho de 1936, entrava diretamente em um governo de aliança com a burguesia na Catalunha”.




A historiografia oficial fala que o “campo republicano” perdeu por falta de armas. “Franco tinha apoio de Hitler e Mussolini, enquanto a República estava isolada”. Vimos, porém, que a derrota não foi militar, mas política. Uma política que tinha nome e sobrenome: frente popular. Subordinou os interesses do proletariado à burguesia e enterrou a revolução.

Faltou um partido revolucionário, que pudesse mobilizar a vanguarda operária contra as direções conciliadoras e consolidar as conquistas revolucionárias, como fez o Partido Bolchevique em 1917. Esperamos que esta edição contribua para desconstruir uma série de “mitos” históricos, e o principal, abrir um debate no seio da vanguarda de trabalhadores e de jovens que se levantam em nosso país nesse momento sobre a necessidade de construir um partido revolucionário a nível nacional e internacional: ferramenta que faltou ao proletariado espanhol, tarefa candente para vencermos os patrões, seu Estado e seus agentes dentro no movimento operário.

Para adquirir essa edição:

facebook.com.br/EdicoesISKRA ou iskravendas@gmail.com

Valor: R$ 25,00


 
LEON TROTSKI 
 A REVOLUÇÃO ESPANHOLA
 
Publicamos aqui o Prólogo desta edição escrito por Esteban Volkov,
neto de Trotski e organizador da Museo Casa Leon Trotsky do México: 

Sem teoria revolucionária e sua correta aplicação, não há caminho em direção ao socialismo. O arsenal ideológico que a reúne se enriquece dia a dia com o acontecer histórico do passado e do presente. Do passado, enquanto possibilita uma análise e compreensão mais acertada do sucedido, e do presente enquanto permite revelar, tornar visível a dinâmica da luta de classes, que está nas profundezas, na raiz de quase todos os conflitos do gênero humano registrados na história, para adotar uma posição política correta frente a esses e desenvolver uma estratégia correta.
As vitórias e triunfos na luta de classes fornecem conhecimentos valiosos. Mas o estudo minucioso e a análise das causas das derrotas e fracassos podem ser muito mais úteis e valiosos para o arsenal marxista, para erradicar os erros nas futuras batalhas que virão.
O revolucionário Leon Trotski dava importância prioritária à educação política das novas gerações de revolucionários. Que melhor ensinamento para essas que seus “Escritos sobre a Espanha”? Nesses, desvenda a teia política da Revolução Espanhola derrotada, em cuja liderança se misturaram governos claramente aliados à burguesia, consequentes com seus interesses de classe, e outros claramente traidores como os stalino-comunistas que, com um disfarce marxista, atuaram para derrotar os movimentos revolucionários aliando-se com os inimigos da Revolução. Outros, como o anarquismo, com forte influência em grandes setores das massas revolucionárias, mas perdidos politicamente à semelhança do POUM que, por não ter uma estratégia marxista revolucionária – exposta com grande qualidade por Leon Trotski – terminaram, assim como o POUM, apoiando políticas de colaboração de classes, de “Frente Popular”.
Admirável, de grande valor e muito necessário o trabalho editorial que estão levando a cabo, neste momento, os jovens camaradas brasileiros da ISKRA. Só me resta manifestar toda minha admiração pela realização deste trabalho editorial de grande envergadura, colocando ao alcance das novas gerações a vasta experiência revolucionária de Leon Trotski, luminoso farol para trilhar o caminho para um genuíno socialismo.
Com saudações muito fraternais.
Esteban Volkov.



 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 

LANÇAMENTO!



QUESTÃO NEGRA, MARXISMO E CLASSE OPERÁRIA NO BRASIL



Um pouco sobre identidade negra e luta de classes

Daniel Alfonso

A seguir reproduzimos um trecho de comentário do conde inglês Francis de Castelnau, sobre o ritual de celebração de um rei do Congo em Sabará, Minas Gerais, em 1843:

Uma coisa digna de nota é que o rei tinha uma máscara preta, como se tivesse um medo terrível de que a permanência neste país fosse desbotar sua cor natural. A corte, cujos trajes misturavam todas as cores em enfeites extravagantes, estava sentada dos dois lados do rei e da rainha; então veio uma infinidade de outros personagens, entre os quais os mais consideráveis eram sem dúvida grandes capitães, guerreiros famosos ou embaixadores de autoridades distantes, todos paramentados no estilo dos índios brasileiros, com grandes cocares de penas na cabeça, sabres de cavalaria ao lado e escudo nos braços. (...)*

O trecho ressaltado por nós é muito significativo. Para o conde, não fazia sentido algum um negro usar uma máscara negra. Nós, assim como Kiddy, não sabemos o motivo exato que levou o negro a usar a máscara; porém, podemos dar atenção àquilo que significava para o conde. O que salta aos olhos é a maneira com a qual o conde menciona o feito. 

Certamente lhe causava repulsa um negro usar uma máscara que não alterasse aquilo que o conde considerava seu semblante. A perplexidade do conde e seu racismo abjeto expressam também um medo terrível compartilhado por toda a elite colonial, imperial, e o que veio a ser a burguesia brasileira: pavor de que negros e negras reafirmassem sua identidade e sua força na história, no embate entre as classes. A elite nacional vivia às custas da escravidão, mas fazia todo o possível para que as cores negras desbotassem politicamente. Negras e negros, felizmente, não permitiram. 

As edições Iskra lançam neste mês o livro Questão Negra, Marxismo e Classe Operária no Brasil. É uma contribuição pequena, mas fundamental, sobre alguns aspectos da influência da resistência negra e escrava na formação do Estado brasileiro, na delimitação dos limites políticos e ideológicos do que veio a ser a burguesia brasileira. Mas também é uma importante contribuição para que o papel do povo negro nos principais fenômenos da luta de classes seja entendido profundamente. Os negros e negras foram linha de frente de todos os processos agudos de luta de classes no Brasil, mas infelizmente pouco se debate sobre o tema e, pior, pouco esforço é despendido na tentativa de enxergar criticamente o papel das direções políticas desses processos em relação à questão negra no Brasil. 

Do nosso ponto de vista, o entendimento das raízes negras do estado brasileiro, dos limites estruturais da burguesia brasileira para responder às demandas do povo negro, e a luta por uma perspectiva de independência de classe são alguns aspectos fundamentais para que classe operária, que é majoritariamente negra no Brasil, possa, em luta ferrenha com o imperialismo e a burguesia lacaia, conquiste hegemonia sobre o conjunto da população pobre e oprimida. Nesse processo, os negros, reafirmando sua identidade, estão convocados a ser linha de frente.


* Trecho de Francis de Castelnau. Elizabeth W. Kiddy, Quem é o rei do Congo? Um novo olhar sobre os reis africanos e afro-brasileiros no Brasil. In: Diáspora negra no Brasil. Heywood, M. linda (org), Editora Contexto, 2008.